THIAGO GIORDANO SIQUEIRA: PROFISSÃO: BIBLIOTECÁRIO


O Thiago Giordano Siqueira é um jovem bibliotecário formado pela Universidade Federal do Amazonas, que atualmente mora na Argentina onde realiza seus estudos de Mestrado em Biblioteconomia e Ciência da Informação da Universidade de Buenos Aires. Tive a oportunidade de conhecê-lo quando ainda era estudante do curso de Biblioteconomia e posso afirmar, era um excelente aluno. Thiago foi um dos ativistas do Movimento Abre Biblioteca. Foi dele a criação da marca da campanha que estampou camisas, faixas e telas de computadores, numa luta que pedia a reabertura da Biblioteca Pública Estadual do Amazonas. A ação realizada em 2012, ganhou grande repercussão nacional e internacional culminando na reabertura do espaço em janeiro de 2013, sua marca teve papel representativo em todo o processo. Criativo e envolvido com mídias sociais Thiago acabou de lançar seu blog thiagoteca onde promete compartilhar suas ideias e experiências. Vale a pena ler sua entrevista!

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1. Conte-nos onde nasceu, cresceu e como foi a sua relação com a leitura nos primeiros anos.

Sou natural de Manaus (AM). Cresci numa família onde meus avós (principalmente meu avô paterno) adoravam contar histórias para os netos – era uma figura! Minha mãe sempre foi leitora assídua de jornais e revistas. Eu comecei lendo histórias em álbuns de figurinhas e em seguida fui presenteado com uma assinatura de história em quadrinhos da Turma da Mônica, Pato Donald, Zé Carioca e Tio Patinhas. Uma felicidade só! 

2. Quando você teve acesso a uma biblioteca pela primeira vez?

Na casa de meu pai havia uma biblioteca particular que dividia espaço com os brinquedos. A leitura foi desde cedo uma prática estimulada pelos meus pais. Embora na escola que estudei houvesse biblioteca, o espaço que guardei como referência de biblioteca fora de casa foi a Biblioteca do SESC. Isso porque meu pai já trabalhava no centro da cidade e era frequentador daquele espaço, então quando eu ia “trabalhar”’ com ele, passava a tarde ali fazendo as tarefas escolares ou lendo gibis. 


3. O que lhe motivou a escolher o curso de Biblioteconomia?

Eu sempre fui um tanto indeciso e com 17 anos chegou a hora de escolher que carreira seguir. Meu pai tinha uma leve tendência em querer que eu cursasse Administração com a esperança de ajudar a administrar o negócio da família. Eu pensei em cursar Direito mas observando que havia tal curso em diversas universidades públicas e privadas eu seria só mais um. Parei para refletir um pouco e não demorei  para decidir, era só olhar para o lado. Era tudo uma questão de referência! Eu cresci entre bibliotecários e achava lindo quando comentavam sobre suas práticas laborais, mais ainda os que se dedicavam às práticas acadêmicas que é um elemento que muito me desperta atenção. Então isso foi um fator fundamental para que eu não caísse de paraquedas no curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e por sorte não optei por Administração como primeira opção embora no ano seguinte tenha prestado vestibular novamente, passei, mas abandonei no 4° período não pelo cansaço de cursar as duas ao mesmo tempo, foi uma experiência “punk” e interessante ao mesmo tempo, mas não era a minha praia.

4. Que disciplina mais gostava quando era estudante?

Nunca tive problemas, acho que gostava de todas. Embora houvesse uma atenção especial pelas que possibilitavam a discussão crítica de textos como Informação e Cidadania, Estudo de Usuários e Comunicação em Biblioteconomia, esta última segui como monitor por três semestres. 

5. Que tipo de biblioteca tem mais afinidade (escolar, pública, universitária, especializada, etc).

Em biblioteca escolar e universitária foi onde tive maior experiência como estagiário, aprendi bastante coisas com bibliotecárias dispostas a ensinar e compartilhar ideias além de concederem certa autonomia naqueles espaços. E foi onde descobri que não tenho tanto perfil para ficar preso ao processamento técnico, prefiro estar no contato direto com o público tentando buscar soluções para os seus problemas. 

6. Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional.

Durante os 5 anos no curso de Biblioteconomia (sim 5 anos!). Eu realmente vivi a Universidade. Me envolvi em projetos de extensão como voluntário, monitorias e iniciação científica financiado pela CAPES/UFAM. As duas últimas experiências foram as que mais me fascinaram, foi quando de fato tive o insight de que nasci para ensinar e fazer pesquisa.

Quando estava nos últimos períodos, sempre que tinha algum concurso interessante eu ia lá fazer a prova. Tive aprovação na época para o cargo de bibliotecário na Secretaria Municipal de Educação (SEMED) mas não pude assumir porque convocaram muito rápido. Depois desencadeou-se uma greve na UFAM e eu já tinha que me desvincular das bolsas de pesquisa ou monitoria, então fiz o concurso para o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE/AM) e lá comecei a trabalhar em 2012, lotado no setor de atendimento a distância da Unidade de Atendimento Individual. Foi onde aprendi muita coisa e também pude compartilhar com os demais colegas o quanto as técnicas da Biblioteconomia podem ser aplicadas com excelência no suporte às atividades que devem ser realizadas por uma Central de Relacionamento. 

Concomitantemente, me juntei a colega também bibliotecária Katty Anne Nunes e iniciamos o projeto Kuau Experiências Formativos, baseado na metodologia de Start Ups, modelamos um negócio voltado à promoção de eventos que objetiva proporcionar formação e a qualificação profissional. Infelizmente tivemos que pausar por conta dos afazeres pessoais de cada um mas só estamos repensando a proposta para encontrar uma forma de monetizar esse empreendimento.

Quase um ano depois, no início de 2013 comecei a trabalhar como Bibliotecário na Secretaria de Estado da Cultura do Amazonas, estive lotado na Assessoria de Documentação e Informação. Desde então tenho orientado minha trajetória no estudo visando aprofundar as ações dos trabalhos bibliotecários diariamente. Neste caminho tenho passado por várias estações, cheguei a cursar um MBA em Gestão de Mídias Digitais mas abandonei quase ao concluir mas por uma boa razão: fui aprovado no Mestrado em Biblioteconomia e Ciência da Informação da Universidade de Buenos Aires ofertado em parceria com a Biblioteca Nacional Mariano Moreno, motivo pelo qual estou vivendo na Argentina e tenho tido a oportunidade de encontrar pessoas e interlocutores importantes para o desenvolvimento da área na América Latina. Está sendo uma experiência maravilhosa.

7. Que conselho daria para uma pessoa que deseja seguir a carreira bibliotecária?

É uma carreira muito linda e tem mercado de trabalho disponível. Portanto, é possível trabalhar na mesma área em que se formou – coisa que nos dias atuais está se tornando um luxo praticamente. A difusão da informação é um direito básico que pode igualar de certa forma a sociedade. No Brasil, temos um cenário altamente favorável desde a implantação da Lei 12.244/2010 onde até 2020 se demanda cerca de 180 mil bibliotecários para atuarem nas escolas. Enfim, se você tem uma “pegada” pra isso, é só correr para o abraço! Independente da área que lhe agrada, é importante investir na carreira e procurar fazer sempre o melhor. 

8. Em que momento você desmistificou o fazer bibliotecário, haja vista que a maioria das pessoas ingressa na universidade acreditando que o ambiente de trabalho está condicionado somente a livros e espaços de bibliotecas?

Esse é um desafio diário eu diria, nossa profissão é linda mas as pessoas ainda estão muito condicionadas a pensar nas coisas tradicionalista e difundir mais o lado tecnicista. Não devemos desprezar isso porém é necessário pensar fora da caixa, explorar novos mercados. A tendência é limitar nossos afazeres profissionais aos materiais registrados em suporte físico apenas e pensar em organização de informação. Acredito esse ser a forte tendência de aqui em diante. 

Além do mais há toda uma perspectiva social do profissional bibliotecário como agente educador que é bem difundida em outros países da América Latina e não vejo com tanta força no Brasil - as atividades de professor, pedagogo e bibliotecário no espaço educacional, poderiam ser muito mais eficazes se pensadas em conjunto. 

9. Você acha que uma pessoa que escolhe essa profissão tem que gostar de ler? Justifique sua resposta

Eu diria que para desenvolver um bom trabalho o bibliotecário deve estar preparado e isso envolve ter conhecimento de mundo, estar sempre antenado. Portanto, mais que gostar de ler eu diria que é preciso ser curioso para aprender, gostar de informações e saber trabalhar com elas. É importante e pode ser um diferencial no trabalho do bibliotecário dependendo de onde esteja atuando e tiver o hábito da leitura isso pode ser “a cereja do bolo”, todavia é necessário deixar de lado esse estereótipo de que todo bibliotecário gosta de ler.

10. Qual a biblioteca mais fantástica que já visitou e a que sonha ainda conhecer?

A Biblioteca Nacional da Argentina Mariano Moreno em Buenos Aires, a sua arquitetura brutalista que lembra mais uma grande nave alienígena estacionada entre prédios clássicos. Porém, o que mais me encanta é porque trata-se de uma biblioteca que é muito querida pelos portenhos por oferecer uma série de atividades durante todo o ano. É muito convidativa e acessível – longe de se manter apenas como um tesouro intocável do país. 

11. Dentre os tantos livros que você já leu, cite um e recomende.

Nesse momento eu cito “Depois daquela viagem” da autora Valéria Polizzi. Um livro paradidático que na época eu li por obrigação para fazer uma prova no primeiro ano do Ensino Médio. Com uma abordagem temática bem interessante sobre comportamento, sexualidade e doenças o livro me surpreendeu por romper paradigmas e falar de uma série de tabus. Mas o que me surpreendeu foi que por um acaso eu presentei esse livro a uma pessoa e depois de quase dois anos a reencontrei, me agradeceu o presente e disse que aquele tinha caído nas mãos no momento certo e que despertou o interesse em ler por prazer e por coincidência no semestre seguinte foi também objeto de uma avaliação. 

12. Qual sua opinião sobre o contexto atual da profissão?

Penso que aos poucos estamos deixando de ser uma profissão feita por pessoas tímidas e isso é bom. As novas configurações do mercado pedem isso, um profissional dinâmico e disposto a encontrar soluções. Possuímos uma série de competências aprendidas na universidade e que devem ser exploradas e mostradas à sociedade a que viemos. Não é fácil pois convivemos com estereótipos complicados de serem eliminados mas podem ser reduzidos na medida em que prestamos serviços satisfatórios as necessidades dos usuários.

13. Como você vê a atuação da biblioteca pública de sua cidade? 

Já não é novidade a atuação em defesa da abertura e reabertura de bibliotecas públicas desde que lançamos em Manaus (AM) o “Movimento Abre Biblioteca” que só descansou depois da reabertura da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas. Percebo um esforço por parte do Estado em tentar democratizar o acesso ao livro e a leitura porém é muito tímido ainda os esforços para inserir a biblioteca como uma instituição social no espaço público. No município, por outro lado, nota-se muitos discursos, criação de um Sistema Municipal de Bibliotecas, Plano Municipal de Cultura que tem como meta implantar uma quantidade X de bibliotecas e outras coisas mais, que chegam a encantar. Porém, são discursos. É claro que existe uma série de dificuldades burocráticas que precisam ser transpassadas e essa não é uma realidade única e exclusiva de Manaus. Todavia me parece que a compreensão de biblioteca pública é mal compreendida quando se observa que se limitam em disponibilizar um edifício público o qual disponibiliza um acervo, e que existe para cumprir a paisagem urbanística já que é convencionado que as cidades precisam ter um equipamento público cultura como: teatro, museu, cinema, centro cultural e finalmente a biblioteca. Ou seja, há uma cultura do depósito de livros e falta serviços! A biblioteca pública deveria ser explorada como um espaço de socialização e formação. 

14. Há algum bibliotecário (a) que você considera fora de série?

Prefiro me abster de citar aqui para não ser injusto, mas tem muita gente revolucionando na área nos últimos anos. Destaco que não seria nenhum nome “dos clássicos” que eu citaria aqui não, hein!

15. Do que mais gosta na sua profissão? 

A possibilidade de descobrir coisas novas diariamente. Não importa se ocorre na assessoria a outros pesquisadores ou estudantes ou quando trabalhando com acervos históricos, sempre há uma nova descoberta que poderá me servir em algum momento. 

16. Fique a vontade para fazer seus comentários finais.

Manter a saúde financeira é o plano de vida de todas as pessoas eu acredito, porém mais importante que conquistá-la é necessário desmitificar que isso seja possível apenas ao seguir a carreira pública. Não que eu seja contra essa prática, longe de mim, só acho que a atratividade pelos concursos públicos está sendo motivada por interpretações erradas e o que ocorre é que muitas instituições públicas acabam sendo em muitos casos, um celeiro de cabeças pensantes e de profissionais criativos frustrados. 

Empreender na carreira deve ser um processo contínuo, portanto, reinventar-se diariamente, procurar desafios e enxergar novas oportunidades dentro e fora da biblioteca (ou de onde você está trabalhando). Para isso devemos estar atentos para desenvolver com inteligência nossas habilidades pessoais e ser capazes de perceber (ou de criar) novas oportunidades.


Foto: Acervo pessoal de Thiago Siqueira

Comentários

  1. Adorei ler a entrevista do Thiago, pois estou no 3º período de Biblioteconomia e gestão de unidades de informação pela UFRJ e estou confuso sobre seguir ou não o curso até o final. Fico preocupado com a questão financeira e as oportunidades no mercado de trabalho.

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