IONE SENA ALFAIA: PROFISSÃO BIBLIOTECÁRIA



Amanhã se comemora no Brasil o Dia do Trabalhador, contudo, antecipadamente, optei por apresentar a entrevista da Bibliotecária Ione Sena Alfaia na seção Bibliotecárias Fora de Série como forma de prestar homenagem a essa trabalhadora e também caríssima colega que em alguns dias está partindo para a realizar outras empreitadas após completar trinta anos de atividades na profissão. Bibliotecária do Serviço Social do Comércio SESC/Manaus, Ione é uma mulher culta, daquelas que dá vontade de conversar por horas. Leitora dedicada, ela memoriza inclusive partes dos livros que ama. Muitos bibliotecários realizaram estágios sob sua orientação e guardam dessa experiência gratidão e carinho. A Biblioteca do Sesc Manaus tem espaço garantido em meu coração. Sob a coordenação de Ione, no período em que a Biblioteca Pública Estadual do Amazonas esteve fechada, era a Biblioteca do Sesc que oferecia serviços para inúmeros usuários na área central de Manaus. Foi também um dos primeiros lugares que visitei quando dei início às minhas andanças para o blog Caçadores de Bibliotecas. Ione, desde o primeiro momento, me recebeu com muita atenção, fator que gerou aproximação e amizade. Nossa parceria continua Ione, sigamos em busca de novas realizações!

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1. Conte-nos onde nasceu, cresceu e como foi a sua relação com a leitura nos primeiros anos. 

Sou natural de Codajás, interior do Amazonas. Minha primeira relação com a leitura se deu por meio do meu avô Raimundo Alfaia, grande leitor ao qual considero minha via de acesso ao mundo da leitura. Lembro que ele tinha uma pequena biblioteca em seu quarto, com poucos livros (alguns clássicos), havia também a enciclopédia Tesouro da Juventude e alguns exemplares atrasados das revistas Seleções, O Cruzeiro e Manchete. Com a curiosidade natural de uma menina, eu lia tudo que ele me oferecia. Por isso o considero parte significativa da minha história e do meu amor pela leitura. 


2. Quando você teve acesso a uma biblioteca pela primeira vez? 


Foi quando conheci a Biblioteca pública da minha cidade (Manaus, AM). Primeiro me encantei com o prédio, de uma arquitetura imponente, depois com a parte interna, com sua arquitetura igualmente incrível. Depois foi o acervo que me encantou. Tempos depois meu pai mandou fazer uma estante de madeira na parede da sala da nossa casa e que logo ficou cheia de livros, tinha até a enciclopédia Barsa que ele comprou de um vendedor na porta de casa, prática comum na época.


3. O que lhe motivou a escolher o curso de Biblioteconomia? 


Antigamente, nós tínhamos duas opções de cursos para entrar na Universidade Federal. Eu sempre soube que queria algo na área de Humanas. Minha irmã já cursava Engenharia, meu irmão queria Medicina e eu escolhi cursar Direito como primeira opção (pelo status), e como segunda opção Biblioteconomia, motivada pelo fascínio que eu sempre tive e tenho pelas bibliotecas. Até hoje não me arrependo de ter conseguido a segunda opção.


4. Que disciplina mais gostava quando era estudante? 


Na época, a grade curricular era muito enxuta, mas eu lembro que gostava da disciplina “História dos livros e das bibliotecas”, que era ministrada pela Prof. Ruth. Nada como conhecer o passado para se entender o presente.


5. Que tipo de biblioteca tem mais afinidade (escolar, pública, universitária, especializada, etc)? 


Gosto de trabalhar com Bibliotecas escolares e principalmente de trabalhar com projetos de incentivo à leitura. Neste sentido, penso que podemos exercer de fato o nosso verdadeiro papel social enquanto bibliotecários, o de poder contribuir não somente na promoção da leitura e formação de leitores, mas também na formação de cidadãos.

6. Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional.

Quando concluí o curso de Biblioteconomia na década de 80, fiquei somente um ano desempregada, logo atendi um convite para trabalhar na SEDUC/RO. Fiquei lá por um ano e depois retornei à Manaus para trabalhar na biblioteca do SESC, local em que eu já havia feito um estágio com a inesquecível e competente bibliotecária Jeanete Castelo Branco Protásio, que mudou-se para outro estado e me indicou para a vaga. Naquela época a vaga era por indicação e eu tive a sorte de ter sido indicada por ela. Depois de seis anos atuando na biblioteca do SESC, resolvi fazer um concurso público para tentar uma vaga de Arquivista de nível superior para o Ministério da Fazenda/AM. Consegui passar e tive que pedir demissão do SESC para tomar posse no novo emprego. Quase dois anos depois tive que sair pois chegou um fax de Brasília que considerava a minha nomeação insubsistente, uma vez que a minha formação era de bibliotecária e as arquivistas de Brasília haviam entrado com um mandado. Tive que sair e começar tudo de novo. Fui prestar serviço para a Petrobrás e com o dinheiro que ganhei fui para São Paulo (SP) fazer uma especialização na USP, na área de Arquivologia. Voltando de lá, trabalhei como bibliotecária na ULBRA e depois no CIESA durante alguns anos. Por fim tive a sorte de retornar ao SESC, instituição que mais contribuiu em minha vida profissional e pessoal, principalmente pelas capacitações e pelos projetos que tive o privilégio de fazer parte. Agora, prestes a me aposentar depois de 30 anos de altos e baixos na carreira, de ter vivido as agruras e o glamour da profissão, eu me despeço tranquila e feliz com a sensação do dever cumprido.


7. Que conselho daria para uma pessoa que deseja seguir a carreira bibliotecária?


Siga seu coração. Se essa é a carreira que você escolheu e gosta, vá em frente, pois geralmente quando a gente faz algo que se gosta, tem tudo para dar certo. E não somente isto, mas procurar sempre contribuir para a valorização da informação, da profissão, ter um posicionamento crítico e participativo na comunidade em que atua, além da consciência do seu papel e responsabilidade social. 


8. Em que momento você desmistificou o fazer bibliotecário, haja vista que a maioria das pessoas ingressa na universidade acreditando que o ambiente de trabalho está condicionado somente a livros e espaços de bibliotecas?


Atuar na biblioteca do SESC desmistificou de vez a idéia que eu tinha acerca do fazer bibliotecário. Sendo o SESC uma instituição privada, mas com finalidade pública, seus projetos visam contribuir para minimizar as desigualdades sociais, daí que necessariamente nossas atividades acabam extrapolando os muros da biblioteca.


9. Você acha que uma pessoa que escolhe essa profissão tem que gostar de ler? Justifique sua resposta.


Sim. A leitura é imprescindível não somente para os profissionais bibliotecários, mas para todos os profissionais que desejam progredir e ter sucesso em suas carreiras. “A leitura pode ajudar uma pessoa a se libertar de sua acomodação, de sua ignorância, de sua estupidez” (Tenório Telles, escritor).


10. Qual a biblioteca mais fantástica que já visitou e a que sonha ainda conhecer?


Tive a oportunidade de conhecer algumas bibliotecas fantásticas, aqui no Brasil e na Europa, mas sonho conhecer um dia a biblioteca de Alexandria no Egito.


11. Dentre os tantos livros que você já leu, cite um e recomende.


Recomendo “Cem anos de solidão”, do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez. Romance no estilo realismo fantástico, que conta a triste saga da família Buendía, fadada a conviver com a solidão. E as situações surreais do romance me encantam, tudo a ver comigo, nascida e criada nesta mítica região amazônica.


12. Qual sua opinião sobre o contexto atual da profissão?


No contexto atual, vejo que temos muitos profissionais atuantes e comprometidos com a missão da profissão. Vejo também alguns estudantes do curso de Biblioteconomia com boas idéias e perspectivas, além da busca de conhecimentos e novos saberes que são essenciais ao bom desempenho do bibliotecário, assim como a tomada de consciência cultural e social. Um bibliotecário tem que se alimentar de cultura, tem que ler, ir ao cinema, teatro, ouvir uma boa música. Li em algum lugar que “a atualização técnica é essencial, mas a atualização cultural é fundamental”.


13. Como você vê a atuação da biblioteca pública de sua cidade? 


Penso que a atuação da nossa Biblioteca Pública não seja diferente da maioria do resto do Brasil, salvo algumas exceções. O grande problema é a falta de profissionais qualificados e comprometidos, seja em nível governamental, seja em nível funcional.


14. Há algum bibliotecário (a) que você considera fora de série?


Eu tenho uma admiração e um carinho enorme por diversos colegas bibliotecários, além de outros renomados que engrandecem a nossa profissão. 


15. Do que mais gosta na sua profissão?


A oportunidade de ter conhecido e convivido com grandes escritores, como Tenório Telles, Márcio Souza, Thiago de Mello, Marcelino Freire, Luiz Ruffato, dentre tantos outros igualmente maravilhosos.


16. Fique a vontade para fazer seus comentários finais.


Soraia, querida! Obrigada pelo convite e pelo privilégio de participar dessa entrevista. Parabéns pelo Blog que está realmente um luxo, como você, que com dedicação e esforço enaltece a nós, os profissionais bibliotecários. Espero continuar nossa parceria.


Foto: Acervo pessoal de Ione Sena Alfaia

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