ALEX DA SILVEIRA - PROFISSÃO: BIBLIOTECÁRIO


Alex da Silveira trabalha na Fundação Biblioteca Nacional e atua na Coordenadoria de Publicações Seriadas. É chefe do atendimento de periódicos e microfilmes, mas realiza e gosta de realizar, atividades como catalogador, indexador, além de trabalho de referência.  Tive a oportunidade de conhecê-lo ao extrapolar barreiras geográficas e neste caso, foi durante a participação no Bibliocamp, evento super descolado, organizado por Moreno Barros que reuniu no Rio de Janeiro em 2011, vários bibliotecários apaixonados pela profissão. 
Alex é editor da Bibliotecno e por meio dessa entrevista dá pra perceber que ele é ligado em tecnologia, porém sem perder a ternura. A escolha da foto para ilustrar esse post foi minha de um de seus álbuns do Facebook. A escolha se deu por dois motivos, primeiro por achar que ele está super bem e segundo por ver que toda a arquibancada e inclusive ele estão vestidos de amarelo...é que nesses últimos tempos o amarelo tem sido a minha cor de predileção.

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1. Conte-nos onde nasceu, cresceu e como foi a sua relação com a leitura nos primeiros anos.

Nasci no Rio de Janeiro, em um bairro da zona norte chamado Inhaúma, onde moro até hoje. Em um embaralhando de lembranças me recordo de dois aspectos relacionados com a leitura. Me lembro daqueles livros infantis, com desenhos que se moviam. Eu tinha vários e adorava, dividindo meu tempo escutando música e jogando em meu velho Atari. Ao mesmo tempo recordo dos livros que a escola obrigava os alunos a lerem para questões em provas. Eram 4 livros por ano e muitos eu realmente não gostava, o que me levou a pensar que a leitura nunca deve ser forçada. Mas apesar disso, eram 4 livros por ano e eu gostava de alguns e isto potencializou meu ato de ler.

2. Quando você teve acesso a uma biblioteca pela primeira vez?

Em Inhaúma até hoje não há uma biblioteca pública, e nem mesmo nos diversos bairros vizinhos como Engenho da Rainha, Del Castilho, Cachambi, além de vários outros que não fazem divisa. Frequentar a biblioteca, ou melhor, descobrir uma biblioteca não era algo possível. Mas eu tive sorte de estudar em um bom colégio público, sendo a primeira biblioteca que me recordo por meus pés a do Colégio Pedro II Unidade Engenho Novo. A biblioteca era local de leitura, de conversa e servia de espaço para acompanhar meus colegas em jogos de RPG, muitas vezes baseado em elementos históricos e nisto o acervo da biblioteca dava apoio. Não gostava muito de RPG, mas adorava as histórias. E a segunda biblioteca que recordo ter entrado tem ligação com o Colégio Pedro II - Unidade Centro. Lembro que poucos alunos sabiam que esta unidade possuía duas bibliotecas e o bom foi que tive acesso a ambas.

3. O que lhe motivou a fazer Biblioteconomia?

Época de vestibular é realmente um período confuso. Desde sempre pensei em ser jornalista e próximo ao vestibular queria ser arquiteto. Surgiu a Unirio (a maioria dos estudantes do Rio em 1998 desconheciam a Unirio) e muitos cursos diferentes, sem as opções que tinha como vontade própria. Olhei os cursos e vi na Biblioteconomia algo relacionado com o que costumava fazer: organizar a informação. Acho que já era um bibliotecário, pois meu Cds eram organizados por gêneros musicais, seguido de bandas e data de lançamento do álbum. Eu via o mundo de forma a tentar organizá-lo desde sempre (e sou assim até hoje). Passei para biblioteconomia e pensei em fazer o primeiro período, estudar para o vestibular de novo para seguir outra carreira. Com dois meses de curso desisti de fazer outro vestibular e sabia que seria bibliotecário.

4. Que disciplina mais gostava quando era estudante?


As disciplinas da classificação, pelos motivos citados no final da pergunta anterior, as disciplinas filosóficas e tive a sorte da Unirio não ter tido conteúdo para a disciplina Reprografia, pois acabaram ensinando HTML, conteúdo que não existia na grade. O HTML serviu para que eu aprendesse a fazer minhas primeiras páginas na web, para que eu aproveitasse o conteúdo de lógica matemática que minha turma aprendeu e ver de maneira mais clara padrões como o MARC, os metadados em XML, etc.

5. Que tipo de biblioteca tem mais afinidade (escolar, pública, universitária, especializada, etc).


Pública, em especial a biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro.

6. Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional.


Antes mesmo do período de estagio oficial eu passei a atender, sem contrato, sem bolsa, na biblioteca da Unirio, ainda no final do primeiro período do curso. Do segundo período em diante fiz dois estágios simultâneos e cumprindo todo o período contratual, o que me fez ter longas jornadas em poucas instituições. Estagiei na Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, em biblioteca universitária, na Agrar Consultoria, uma empresa especializada em planejamento urbano, meio ambiente e agricultura. O caso da Agrar foi interessante, pois não havia biblioteca, apenas livros espalhados e acabei montando a biblioteca na base do erro/acerto. Também estagiei por sete meses na Companhia Municipal de Limpeza Urbana, que acabou sendo minha primeira empregadora depois de formado, por onde permaneci por três anos e meio. O trabalho na Comlurb era magnífico, pois a biblioteca tinha passado por obras e decidiram recatalogar tudo, sem considerar as fichas do catálogo manual. Trabalhava com todo o tipo de documento e fazia até mesmo analítica de periódicos e de gravações de matérias jornalísticas que abordavam a empresa. Tive que criar uma apresentação para introduzir estudantes ao tema do lixo, antes de decidirem o que iriam pesquisar e estas apresentações passaram a ser uma introdução de 30, 40, 50 minutos. A Comlurb utilizava sistema de classificação próprio e devido à introdução de outras temáticas no acervo tive que ampliar esta classificação. Também escrevi as instruções de trabalho da biblioteca e participei do projeto de biblioteca volante da empresa, chegando a palestrar sobre a importância da leitura para todos os garis das gerencias da zona norte. Depois passei oito meses em uma biblioteca pública na cidade de Macaé, uma realização totalmente diferente, atuando em uma biblioteca que também havia passado por reformas. Em Macaé também ajudei na criação da biblioteca da Escola de Artes, da Fundação Macaé de Cultura. Em 2006 cheguei a Biblioteca Nacional, no universo dos jornais e revistas e realizando mais um trabalho diferente, mas ao qual, eu realmente adoro.

7. Que conselho daria para uma pessoa que deseja seguir a carreira bibliotecária?


Que apenas gostar de ler não cria um bibliotecário! Nesta profissão é importante entender o que o usuário deseja (tanto na classificação, na catalogação) e o contato com o usuário é primordial, mesmo que seja uma vez por semana. O bibliotecário não é essencialmente um técnico, mas também não é apenas um amante da leitura e muitas vezes vejo que alguns estudantes de biblioteconomia tem certo receio com o serviço de referência. 

8. Em que momento você desmistificou o fazer bibliotecário, haja vista que a maioria das pessoas ingressa na universidade acreditando que o ambiente de trabalho está condicionado somente a livros e espaços de bibliotecas?


Desde o estágio na Agrar Consultoria, onde não havia uma biblioteca e a empresa necessitava de informação. Tive que organizar os livros, mas também os relatórios e entender um pouco dos projetos da empresa. Passar por uma biblioteca em construção (Agrar) ou reorganização (Comlurb, Uerj) me ajudou muito a ter a visão de uma biblioteca como um todo. Na Comlurb virei palestrante sobre o tema de resíduos sólidos, ajudando o usuário a decidir o que iria buscar no acervo depois de se familiarizar com o tema, além das bibliotecas volantes da empresa que me levaram ao contato pessoal com a massa potencial de leitores da instituição. E na Biblioteca Nacional acabei parando em uma coordenadoria que não tem livros.


9. Você acha que uma pessoa que escolhe essa profissão tem que gostar de ler? Justifique sua resposta.


Sim, mas como já disse antes, apenas ler ou ter técnica não é suficiente. Prestamos serviço a quem necessita de informação. Conteúdo através de resposta impessoal o Google dá, o bibliotecário deve se envolver com o seu usuário, ou seja, gostar de pessoas. Gostar de ler em seu canto isolado do mundo não garante um bom bibliotecário, pois a biblioteconomia, ao meu ver, não é uma profissão de isolamento.

10. Qual a biblioteca mais fantástica que já visitou e a que sonha ainda conhecer?


Por morar de certa forma próximo (3 bairros de distância) e pela realidade e tudo que representa eu digo que a Biblioteca Parque de Manguinhos, aqui no Rio, é a mais fantástica. Meu sonho é ir a Biblioteca Britânica.

11. Dentre os tantos livros que você já leu, cite um e recomende.


Da Terra à Lua, do escritor Julio Verne. Eu realmente fico imaginando aqueles combatentes esquecidos, buscando algo que faça sentido dentro do que aprenderam a ser e buscando sentido em algo totalmente diferente de uma guerra. 

12. Qual sua opinião sobre o contexto atual da profissão?


Vejo várias “biblioteconomias” e não me preocupo com a profissão ganhar diversos rumos. O que me preocupa é ver que até hoje o usuário ainda não é efetivamente colocado no centro de tudo. Amo tecnologia, mas o contato, mesmo virtualizado, é primordial. Todo bibliotecário deveria ser um bibliotecário de referência antes de tudo, mesmo que seja para trabalhar com gestão do conhecimento.

13. Como você vê a atuação da biblioteca pública de sua cidade?


As bibliotecas parques, do governo do estado do Rio, são fantásticas e são o grande ponto alto das bibliotecas na cidade, mas infelizmente as coisas param por ai. Penso que a biblioteca pública estadual não deveria se aproximar tanto do modelo de biblioteca parque, pois as comunidades estão distantes (ela se encontrar em uma área comercial/empresarial) e ficaremos sem uma biblioteca pública de pesquisa. A prefeitura não oferece uma grande biblioteca pública e as chamadas populares (de bairro) estão largadas.

14. Há algum bibliotecário (a) que você considera fora de série?


Eu poderia dizer um nome aqui, ou vários já que temos vários ramos da profissão. Também poderia falar de Ranganathan, mas prefiro dizer que fora de série são aqueles bibliotecários anônimos que começaram a trazer para a biblioteconomia o que chamamos de serviço de referência. 

15. Do que mais gosta na sua profissão?


De ver o usuário chegar aonde não pensava que poderia chegar.

16. Fique a vontade para fazer seus comentários finais.


Estas respostas estão sendo publicadas em um blog (excelente blog) e veja como se pode trocar ideias em um ambiente tecnológico. Mas como disse várias vezes aqui, o contato, mesmo que virtual, é o que faz a nossa profissão. Assim, espero que nós bibliotecários possamos encontrar os novos rumos de nossa profissão adotando muita tecnologia, mas sem esquecer o lado humano que nos diferencia do Google como ferramenta. 


Foto extraída do Facebook de Alex da Silveira

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