BIBLIOTECA VERDE - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

O delicioso poema BIBLIOTECA VERDE, de Carlos Drummond de Andrade, nos possibilita mergulhar nas palavras e imaginar a paixão de um menino pelos livros. 


Trata de uma coleção de livros, que reunia grande quantidade de obras célebres e vinha encadernada em 24 volumes, totalizando 12.224 páginas. O menino do poema pede insistentemente os livros de presente...será que podemos comparar com os meninos de agora, que pedem computadores, tablets, vídeo games e outros? Carlos Drummond de Andrade, aos 10 anos ganhou de seu pai uma BIBLIOTECA VERDE.

.................

              BIBLIOTECA VERDE
– Papai, me compra a Biblioteca Internacional de Obras Célebres.

São só 24 volumes encadernados em percalina verde.
– Meu filho, é livro demais para uma criança!...
– Compra assim mesmo, pai, eu cresço logo.
– Quando crescer, eu compro. Agora não.
– Papai, me compra agora. É em percalina verde, 
só 24 volumes. Compra, compra, compra!...
– Fica quieto, menino, eu vou comprar.

– Rio de Janeiro? Aqui é o Coronel.
Me mande urgente sua Biblioteca
bem acondicionada, não quero defeito.
Se vier com um arranhão, recuso. Já sabe:
Quero a devolução de meu dinheiro.
– Está bem, Coronel, ordens são ordens.

  
Segue a Biblioteca pelo trem-de-ferro,

fino caixote de alumínio e pinho.
Termina o ramal, o burro de carga
vai levando tamanho universo.

Chega cheirando a papel novo, mata
de pinheiros toda verde.

Sou o mais rico menino destas redondezas.
(Orgulho, não; inveja de mim mesmo)
Ninguém mais aqui possui a coleção das Obras Célebres.
Tenho de ler tudo. Antes de ler,
que bom passar a mão no som da percalina,

esse cristal de fluida transparência: verde, verde...
Amanhã começo a ler. Agora não.
Agora quero ver figuras. Todas.
Templo de Tebas, Osíris, Medusa, Apolo nu, Vênus nua...

Nossa Senhora, tem disso nos livros?!...

Depressa, as letras. Careço ler tudo.
A mãe se queixa: Não dorme este menino.
O irmão reclama: Apaga a luz, cretino!Espermacete cai na cama, queima a perna, o sono.
Olha que eu tomo e rasgo essa Biblioteca
antes que pegue fogo na casa.
Vai dormir, menino, antes que eu perca a paciência e te dê uma sova.
Dorme, filhinho meu, tão doido, tão fraquinho.
Mas leio, leio... Em filosofias tropeço e caio,
cavalgo de novo meu verde livro,
em cavalarias me perco, medievo;
em contos, poemas me vejo viver.
Como te devoro, verde pastagem!...
Ou antes carruagem de fugir de mim
e me trazer de volta à casa
a qualquer hora num fechar de páginas?

Tudo que sei é ela que me ensina.
O que saberei, o que não saberei nunca,
está na Biblioteca em verde murmúrio
de flauta-percalina eternamente.

                               (Carlos Drummond de Andrade)

Comentários

  1. Extasiada...não conhecia este! Beleza!

    ResponderExcluir
  2. É muito bonito mesmo Conceição...seria tão bom que mais pessoas lessem. Muitos curtem (no facebook), mas não lêem...
    Que bom que gostou!!!

    ResponderExcluir
  3. Olá!
    Sim, adoro ler Drummond de Andrade! Estudei este autor em literatura Brasileira (cadeira opcional)na Universidade de Aveiro e adoreeeei! Literatura fresca e muito realista que nos dá uma ideia muito acertada do Brasil, país irmão!(Ah, e fiz a cadeira com média de 15 valores, sobre vinte...nada mau!)
    Pena ter pouco tempo, mas sempre que dá, não descuro!
    Abraço de Portugal!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Parabéns pela sensibilidade e pelo bom gosto. Drummond é para mim o maior. Sou super fã e fico feliz que mais pessoas saibam o quão incrível é o seu trabalho. E parabéns pelo êxito na cadeira! Abraço brasileiro, bem caloroso do coração do Amazonas.

      Excluir

Postar um comentário