NELSON OLIVEIRA DA SILVA: PROFISSÃO: BIBLIOTECÁRIO


Dentre as seções que mais gosto no Caçadores de Bibliotecas estão Bibliotecárias e Bibliotecários Fora de Série, haja vista a interação que permite estabelecer com colegas de profissão a oportunidade de saber mais sobre os aspectos que permeiam sua ação bibliotecária. Dessa vez, registro a entrevista de Nelson Oliveira da Silva, Bibliotecário formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul que tem experiência em biblioteca universitária e implantação e treinamento de sistemas de automação de bibliotecas. Atuando com consultoria desde 2005, Nelson é um ativista bibliotecário no campo do empreendedorismo e nessa entrevista, entre outras coisas, podemos conhecer um pouco mais da sua forma de pensar as possibilidades de atuação do bibliotecário como profissional liberal. 
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1. Conte-nos onde nasceu, cresceu e como foi a sua relação com a leitura nos primeiros anos.

Meu pai era militar e minha mãe funcionária pública, nasci em Lagoa Santa – MG, mas aos dois anos voltamos para o Rio Grande do Sul, onde vivi a maior parte da minha vida. Lembro que mesmo antes de aprender a ler, os livros me chamavam a atenção, tínhamos uma estante na sala (Obra Completa do Érico Veríssimo, Karl May, etc.) e sempre tive a curiosidade de conhecer as histórias que estavam lá dentro. Meus pais compravam =revistas: Manchete, Cruzeiro e eu e meu irmão, ficavamos fascinados pelas fotos, faziamos recortes, colagens, lembro das charges do Amigo da Onça (nesta hora que se entrega a idade rsrsrs). Desde que entrei no colégio minha avó Alcina, sempre dava aos netos de presente um brinquedo e um livro, até hoje me lembro da história do meu primeiro livro: tratava-se de um sapinho que morava na beira de uma lagoa muito feliz até que um dia veio uma forte seca e o lago secou. Então o vento, que era seu amigo o levou para passear em uma nuvem numa viagem cheia de aventuras e assim ele conseguiu achar um novo lago...pena que esqueci o título e fiquei sem a referência bibliográfica......

2. Quando você teve acesso a uma biblioteca pela primeira vez?

Comecei a frequentar bibliotecas públicas a partir da 5ª série para fazer as pesquisas escolares, sempre fui um rato de bibliotecas devorando autores, revistas e jornais de outros estados e países. Por uma incrível sequência do destino a primeira biblioteca pública que visitei, é hoje o meu local de trabalho.

3. O que lhe motivou a fazer Biblioteconomia?


Na época do vestibular a minha primeira opção foi Engenharia Elétrica e a segunda opção Biblioteconomia, passei na segunda opção e nos dois primeiros semestres fiz apenas as cadeiras básicas e algumas opcionais de Engenharia, foi ai que percebi que a área de exatas não me encantava, que aguentar dois anos de Cálculo não era para mim. Participei do Congresso de Biblioteconomia em Camboriú e adorei as pessoas, o astral dos bibliotecários, me lembro do Milanesi falando sobre a mudança do perfil do Bibliotecário, sempre polêmico e agitando a plateia, ali entendi que não seria um rico engenheiro, mas um bibliotecário feliz.

4. Que disciplina mais gostava quando era estudante?

Não recordo de disciplina favorita, o que mais gostava era dos estágios onde podia colocar na pratica o que estudava e conhecer os diversos tipos de bibliotecas.

5. Que tipo de biblioteca tem mais afinidade (escolar, pública, universitária, especializada, etc)?


Não tenho preferência por um tipo de biblioteca, gosto de atuar junto ao público (interno ou externo) entendendo necessidades e desenvolvendo produtos e serviços para eles.

6. Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional.

Meu primeiro trabalho depois de formado foi num arquivo de jornal, na era pré-internet, onde tinhamos que montar pastas dos mais diversos assuntos para abastecer a redação. Por exemplo: Morreu o Chaves, o Papa renunciou, eu tinha que juntar o máximo de informação possível e repassar para o reporter antes do fechamento da edição do jornal. Desde aquela época a indexação, vocabulário controlado e a estruturação dos assuntos eram ferramentas importantes na organização da informação. Depois fui trabalhar na Itaipu Binacional desenvolvendo sistemas para recuperação das informações das plantas da engenharia (lembram do meu sonho da engenharia elétrica?) Consegui trabalhar na maior Hidrelétrica do mundo na época, graças a Biblioteconomia. Na sequência trabalhei em bibliotecas escolares e universitárias, desde 2006 sempre tive uma atuação forte em Consultorias e Cursos, em 2011 montei minha empresa para prestação de serviços.

7. Que conselho você daria para uma pessoa que deseja seguir a carreira bibliotecária?


Em primeiro lugar você não ficará rico sendo bibliotecário, mas existem tantos mercados e possibilidades de atuação para um bibliotecário que você certamente encontrará uma atividade onde poderá ter prazer e uma remuneração digna. A Biblioteconomia é uma das poucas profissões em que ainda pode conquistar mercados, ampliar as faixas de atuação e ser mais valorizado. É uma profissão em que faltam profissionais.

8. Em que momento você desmistificou o fazer bibliotecário, haja vista que a maioria das pessoas ingressa na universidade acreditando que o ambiente de trabalho está condicionado somente a livros e espaços de bibliotecas?

Desde que sai da faculdade atuei em diversas áreas não convencionais, acredito que a visão tradicional acontece mais por comodismo das pessoas, elas apenas repetem o que já existe. Pergunte a um bibliotecário o que ele faz, qual o emprego ele quer: organizar uma biblioteca.

9. Você acha que uma pessoa que escolhe essa profissão tem que gostar de ler? Justifique sua resposta.

Qualquer profissão a pessoa precisa gostar de ler, talvez os esportistas ou músicos possam viver sem a leitura. Isto do bibliotecário ser obrigado a gostar de ler é apenas um reforço da imagem tradicional de trabalho dentro de uma biblioteca, onde se precisa conhecer os diversos gêneros e autores para poder “mediar a leitura”.

10. Qual a biblioteca mais fantástica que já visitou e a que sonha ainda conhecer?


Lembro do impacto visual quando visitei pela primeira vez a Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul, salões enormes, pinturas lindas nas paredes e tetos, um local de sonho. Desejo visitar ainda a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América ou a Biblioteca Pública de Nova York e a Estadual do Amazonas.

11. Dentre os tantos livros que você já leu, cite um e recomende.

Amor nos tempos do cólera de Gabriel Garcia Marquez, uma linda história de amor. Information Architecture de Peter Morville, imprescindível para o bibliotecário.

12. Qual sua opinião sobre o contexto atual da profissão?

O Bibliotecário é definido por lei como um Profissional Liberal, podendo trabalhar por conta própria sem vínculo empregatício. O Bibliotecário tradicionalmente procura emprego, ao invés de procurar trabalho. Nunca vi um anúncio de bibliotecário oferecendo seus trabalhos: advogados, contadores, arquitetos estão em mercados saturados, mas investem em propaganda para atrair clientes. No Brasil menos de 1% dos bibliotecários possuem empresa registrada. As grandes empresas que atuam na nossa área são geridas na sua maioria por profissionais de outras áreas que sub-contratam os bibliotecários. Porque o bibliotecário apesar de ser um profissional liberal, prefere o emprego formal ou o concurso público? Falta mercado, ou falta empreendedorismo? Nada contra quem prefere investir em concurso público ou na estabilidade da carteira assinada, mas me aflige ler relatos de profissionais desempregados, que enviam currículos para qualquer vaga que aparece, que reclamam por não se sentirem valorizados. Estes profissionais são incapazes de entender que a empresa não procura quem saiba classificar ou catalogar, a empresa procura profissionais que organizem e recuperem a informação, em qualquer suporte, com rapidez e precisão. Qual a formação deste profissional? Para a empresa, qualquer formação serve, deste que o profissional seja eficiente e de acordo com os custos esperados. Enquanto continuarmos a cultivar o coitadismo: ninguém me valoriza...ninguém faz nada por mim, nada mudará. Temos alguns mercados cativos: bibliotecas escolares, bibliotecas universitárias, mas existem diversos outros locais de atuação que não exploramos e deixamos livres para outros profissionais atuarem.

13. Como você vê a atuação da biblioteca pública de sua cidade?

Sou o atual gestor da Biblioteca Pública da minha cidade, esta experiência serviu para mostrar que apenas boa vontade não basta, é preciso articulação politica, capacidade de gestão, saber captar recursos, gerir pessoas e envolver a comunidade.

14. Há algum bibliotecário (a) que você considera fora de série?


São muitos os que admiro, mas irei citar apenas dois: Mary Ellen Bates, bibliotecária americana que sigo como exemplo para ser um bom Independent Information Professional . Chico de Paula pelo excelente trabalho na Revista Biblioo.

15. Do que mais gosta na sua profissão?


Das infinitas possibilidades de campos de atuação, do inusitado da pergunta do próximo usuário, da quantidade de coisas que ainda quero aprender, da comprovação de que o importante não é a tecnologia e sim, o uso que podemos fazer dela.

16. Fique a vontade para fazer seus comentários finais.

Acredito muito no futuro da nossa profissão, o Bibliocamp, foi uma experiência enriquecedora, mostrando que existem pessoas dispostas a cooperar e fazer uma Biblioteconomia diferente. Quando conseguirmos acabar com o marasmo do bibliotecário (ou será isto uma característica inata nossa?) poderemos ter um avanço na profissão conseguindo reconhecimento e valorização. Mas não adianta esperar que os outros mudem, se somos sempre os mesmos.

Foto: Extraída do Facebook de Nelson Oliveira da Silva


Comentários

  1. O tipo de entrevista que não da vontade de virar bibliotecario...

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  2. Parabéns ao Nelson pela entrevista. Muito lúcida, olhando para o futuro.

    João A. Friedrich

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  3. Parabéns Nelson! Logo, logo, pelo jeito, terá mais uma colega Bibliotecária empreendedora.

    "(...)a empresa procura profissionais que organizem e recuperem a informação, em qualquer suporte, com rapidez e precisão".
    É exatamente isto que quero desenvolver.

    Um abraço, Tamara Schenkel

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  4. O Nelson não é apenas um profissional competente, em alguns aspectos à frente do próprio tempo, mas uma pessoa do bem. Conversar com ele é um aprendizado valioso.

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