CARLOS WELLINGTON MARTINS: PROFISSÃO: BIBLIOTECÁRIO
Bibliotecário, ativista, impulsionado por causas sociais, Carlos Wellington Martins é desses profissionais que conseguem fazer muito. Para além de atuar junto a Universidade Federal do Maranhão - UEMA, desenvolve ações de mediação de leitura e literatura voltada para a temática LGBTQI e entre outras demandas, acabou de defender sua tese de doutorado. Carlos e eu, tivemos a oportunidade de encontrar frente a frente em 2013, em São Luís, durante uma das reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, na época ele me proporcionou uma breve visita à Biblioteca Central da UEMA, que estava fechada por conta do evento. A admiração e gratidão a Carlos ocorreu quando ele posou com o emblemático cartaz do Movimento Abre Biblioteca, que lutava pela reabertura da Biblioteca Pública Estadual do Amazonas. Desde esse tempo, tem sido um gosto segui-lo pelas redes sociais e agora um prazer conhecê-lo um pouco mais por meio dessa entrevista, confiram.
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1. Conte-nos onde nasceu, cresceu
e como foi a sua relação com a leitura nos primeiros anos.
Nascido (e banhado) nas águas do Maranhão, mas
precisamente na cidade de São Luís (que outrora recebera a alcunha de “Atenas
Brasileira” por conta de sua efervescência literária e de grandes nomes da
literatura), sempre fui um menino tímido, qualquer pessoa com uma orientação
sexual ou identidade de gênero dissidente da norma tem uma infância muito
solitária, não nos reconhecemos nos outros, sabemos que somos diferentes, no
entanto não existe ninguém para nos ajudar a entender esse processo, na verdade
as pessoas fogem deste debate, acaba sobrando para nós. Felizmente a leitura me
salvou. Sem brincadeira ou exagero, meu pai comprava histórias em quadrinhos e
eu as lia avidamente, desde a Turma da Mônica até as de super heróis. As HQs
foram à porta de entrada para outras linguagens literárias, li praticamente
toda a coleção Vaga Lume e enquanto meus colegas reclamavam de livros da
literatura brasileira, como Dom Casmurro ou o Guarani, eu os lia com muito
prazer. Devo ao meu pai o estímulo para que me tornasse um leitor. Engraçado
que de quatro filhos, e para todos o meu pai comprava HQs, só eu continuei a
ler. Talvez na tal da solidão, as personagens acabavam por me ouvir e ser minhas
confidentes.
2.
Quando você teve acesso a uma biblioteca pela primeira vez?
Estudei no Liceu Maranhense e, felizmente, lá tinha
uma biblioteca, até hoje não sei se a pessoa que ficava lá era Bibliotecária ou
não, mas o fato é que foi ali que iniciei o contato com o espaço que iria me acompanhar para
o resto da vida, para mim um espaço mágico, de descoberta, enquanto para uns
colegas ir a biblioteca era quase um castigo, para mim era um alento. Logo já
tinha lido todo o acervo literário, que percebia não tinha uma atualização
periódica, então fui aconselhado a ir conhecer a Biblioteca Pública Benedito
Leite. Aquele prédio imponente no coração da cidade, confesso que achava que
aquele local não era para mim, talvez pela opulência, muitas pessoas passam
pela frente desta que é a segunda mais antiga biblioteca do país, sem atentar
para as possibilidades existentes neste bem cultural. E foi ali que me
encontrei, aquele ambiente acolhedor, a coleção, as pessoas transitando, aquilo
me emocionou muito, a partir daí chegava bem mais cedo para poder curtir meu
momento na biblioteca, passeava pelas estantes, observava o trabalho da equipe,
tive contato com uma literatura com pessoas que passavam pela mesma solidão que
eu. Enfim, encontrei meu pedacinho de chão!
3. O
que lhe motivou a escolher o curso de Biblioteconomia?
Sempre brinco que a Biblioteconomia que me escolheu.
Não foi aquela escolha acidental, por falta de opção, ou com intenção de só
entrar para tentar mudar de curso. Já conhecia o ambiente da biblioteca e
depois de ler o manual de profissões tive certeza que era aquilo que queria.
Engraçado é que antes de entrar no curso já tinha uma visão ampliada do mesmo.
Minha graduação foi muito prazerosa, muito aprendizado, prática e troca de
experiências. Fui bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET), participava
praticamente de todos os encontros regionais e nacionais o que favoreceu a
criação de uma rede de contatos muito importante.
4.
Que disciplina mais gostava quando era estudante?
Difícil elencar só uma, mas as que mais gostei e que
acabaram por direcionar minha vida de pesquisador foram História do Livro e das
Bibliotecas e Bibliotecas Públicas e Escolares.
5.
Que tipo de biblioteca tem mais afinidade (escolar, pública, universitária,
especializada, etc)
Sem sombra de dúvida a pública e a comunitária, sou
servidor da UFMA e atuo na biblioteca universitária, mas meu estágio foi em uma
biblioteca pública municipal localizada na periferia de São Luís e atuo como
colaborador na Rede de Bibliotecas comunitárias de São Luís. É ali que me
encontro como profissional e cidadão.
6.
Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional.
Logo após a conclusão do curso fui indicado para
trabalhar em uma biblioteca universitária da UFMA em um campi do interior, mas
especificamente em Codó, uma experiência maravilhosa para um recém formado,
após seis meses retornei a capital e participei de um seletivo para trabalhar
na biblioteca de uma faculdade privada, fui aprovado e passei seis meses na
instituição, e como sei que é a realidade de muitos colegas, fazia o trabalho
de uma equipe inteira (referência, processamento técnico, formação de acervo,
etc), o que em alguns lugares tinha-se um grupo acabava fazendo o trabalho todo.
Mas foi um bom aprendizado. Logo após fui aprovado em concurso público, em
2009, e atuo desde então na Biblioteca Central do Núcleo Integrado de
Bibliotecas (NIB) onde atuava na referência (amo) e já fui assessor do núcleo e
diretor substituto. Paralelamente também sou professor com as disciplinas de
Metodologia e Elaboração de Projetos nos cursos a distancia e presencial da
UEMA.
7. Que
conselho daria para uma pessoa que deseja seguir a carreira bibliotecária?
As
pessoas criam muitas expectativas sem entender que nenhuma profissão está
alijada do que acontece no contexto macro das discussões políticas, econômicas
e sociais, que muitas vezes deve existir pressão por parte da própria categoria
para garantia dos espaços de trabalho e que muita coisa precisa ser feita tanto
para fortalecer o movimento associativo quanto para mudança de percepção da
sociedade para com nossa área. Mas para isso temos que nos mexer. Eu amo a
nossa área, claro que com algumas críticas em relação as posturas conservadoras
ainda existentes no campo e que o componente técnico e o fetiche da tecnologia
ainda seja o direcionador maior de nossas discussões. Mas estamos aí para lutar
por uma nova biblioteconomia juntos.
8.
Em que momento você desmistificou o fazer bibliotecário, haja vista que a
maioria das pessoas ingressa na universidade acreditando que o ambiente de
trabalho está condicionado somente a livros e espaços de bibliotecas?
Sou muito chamado para conversar com os alunos
ingressantes no curso e é incrível como a nossa área ainda é associada somente
ao livro físico e ao ambiente da biblioteca, quando falo que tenho colegas que
atuam como profissionais sem sequer pegar em um livro, a curiosidade deles se
aguça e é aí que mostro que nosso insumo é a informação e que temos um
compromisso político para com a mediação neste processo. Acho que
desmistifiquei o estereótipo ainda na graduação, pois sempre tive contato com
profissionais e troquei ideias com vários, alguns que trabalhavam em agências de
publicidade, campanhas políticas, base de dados, etc. Acho que é nosso papel
também trabalhar essa opinião pública sobre nossa categoria, mostrando nosso
potencial e que nosso campo de atuação é maior do que se pensa.
9.
Você acha que uma pessoa que escolhe essa profissão tem que gostar de ler?
Justifique sua resposta
Se partirmos do pressuposto de que trabalhamos com
mediação, que vai para além do acesso, e muito se discute sobre Information
Literacy e Letramento Literário, creio que seja vital para uma ação mais
profícua e critica um profissional que também seja um leitor.
10.
Qual a biblioteca mais fantástica que já visitou e a que sonha ainda conhecer?
Ah gente, tanto pela questão afetiva quanto pela
questão de identidade a mais fantástica sem dúvida foi a Benedito Leite, aqui
em São Luís, mas lógico que gosto muito da Biblioteca Nacional, e como muita
gente me manda ir para Cuba, mas ainda não tive oportunidade gostaria de
conhecer a Biblioteca Nacional de Cuba.
11.
Dentre os livros que você já leu, cite um e recomende.
Nossa, indicação apenas de um sempre é difícil, mas
acho que todo mundo deveria ler “Cem anos de solidão” do Gabriel Garcia
Marquez, tanto pela narrativa, da forte presença do contexto político e social
na formação das sociedades. Um livro fantástico, literalmente.
12.
Qual sua opinião sobre o contexto atual da profissão?
Por um lado vejo que estamos avançando no debate
sobre questões que sequer eram mencionadas, livros sendo publicados debatendo
questão racial, o protagonismo da mulher e questão LGBTQI dentro da Biblioteconomia e Ciência da
Informação mas por outro vejo pautas estagnadas como a 12.244 da
universalização das bibliotecas escolares e o enfraquecimento do Plano Nacional
do Livro e Leitura e algumas cidades e estados que inda não contam com seus
planos. Só conseguiremos avanços com pressão e para isso precisamos de força
política enquanto categoria.
13.
Como você vê a atuação da biblioteca pública de sua cidade?
Nós temos uma municipal e estadual que trabalham em
alguns momentos juntas, ambas com sistemas estruturados, no entanto a municipal
ainda carece de um olhar mais atento pelo poder público tanto no que diz
respeito a atualização de seu acervo bem como a potencialização de seus
serviços e produtos e concurso público para a profissão haja vista que tanto a
estadual quanto a municipal carecem de uma renovação em seus quadros. Existe
até boa vontade e empenho nas profissionais que atuam nestes espaços, mas
sabemos que só isso não é suficiente, deve haver força política (insisto nisso)
e ocupação nos espaços decisórios.
14.
Há alguma bibliotecária (o) que você considera fora de série?
Nossa, vários, Cátia Lindemann, Soraia Magalhães,
Francilene Cardoso, Thais Rodrigues, Michele Pinto, Luciana Kramer, Andreia
Silva, Kátia Costa, Franciele Garcês, Cida Fernandez, muita gente.
15.
Do que mais gosta na sua profissão?
Acredito que o principal seja a interação com as
pessoas, isso para mim é fundamental, e o contato direto com a leitura, os
livros e as bibliotecas.
16.
Fique à vontade para fazer seus comentários finais.
Grato pela oportunidade deste
relato, para mim o diálogo ainda é uma importante ferramenta para uma sociedade
melhor, e em muitos casos, relatos de vida e opiniões servem para enriquecer
esta proposta dialógica.
Parabéns pela entrevista. Muito enriquecedor para os futuros profissionais. Bom saber que o amor esta presente em tudo que Carlos faz. Por isso te amo. Bjs meu lindão
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